grindcore morto

Dias piores à vista...


"PONTOS ABSTRATOS E ESPECÍFICOS DE UM MOMENTO TENEBROSO"
" Vem a tempestade
  Nuvens negras se formam
  É chegada a hora de quebrar os grilhões
  É chegada a hora, não há tempo a perder..."
  [Terrorizer, "Darker Days Ahead]
No que se refere ao Brasil, de modo isolado mas não tão diferente do resto do planeta, estamos, seguramente, num dos momentos mais asquerosos dessa história recente. O pano de fundo para que a base popular haja, se liberte e se emancipe é propício como só foi em poucos momentos antes. Também é doloroso e alucinado como esse tipo de momento tende a ser, no "parto de um mundo novo melhor" que Galeano comenta.

Quase uma unanimidade, todos pedem a cabeça de Marco Feliciano por conta de suas posturas racistas - e, obviamente, para um sacerdote cristão - homofóbicas. Contudo a luta contra a homofobia, contra o racismo e contra qualquer forma de preconceito e violação dos direitos fundamentais das pessoas não se resolve, nunca se resolveu e nunca se resolverá em Comissões de Direitos Humanos ou em urnas. Foram, são e serão resolvidos nas ruas, mediante reivindicação do povo. Parafraseando uma das últimas e mais contundentes frases do filme "A Cruzada", nesse presente momento a cabeça de Marcos Feliciano vale tudo... e não vale nada. Vale nada pois seu caso não é isolado. Não são apenas ele e Bolsonaro com posturas ultra-direitistas. Todo o congresso nacional borbulha desse mesmo retrocesso. E sua cabeça também vale TUDO, como símbolo de uma treva que deve ser e será desfeita.

"Massa" é como se pode nomear todo um povo sem conhecimento do mundo, conhecimento do próximo, conhecimento de si. É levada daqui para ali e de lá para cá conforme bem quer e precisa quem detém a capacidade e a noção de a sovar. Na mesma medida em que cresce a consciência de grupos historicamente oprimidos e essa consciência conduz a ações afirmativas em pequenos e em maiores contextos sociais,os grupos que historicamente se valeram da opressão se manifestam por conta do incômodo que é a ameaça a seus mimos de eras. Despontam bizarrices como as do trote na Universidade Federal de Minas Gerais (Curso de Direito), a zombaria ao que as sempre desconexas classes burguesas (sempre elas), tratam como "chatice do politicamente correto", com provocações de cunho racista, nazista. No Campus da USP em São Carlos, no fim de abril, realizou-se uma vez mais o "miss bixete". Em 2005 já haviam os levantes contra a realização do suposto "trote", agora em fevereiro de 2013, quanto mais evidente o evento, maior foi a indignação e resposta que causou em quem por ele é ofendido. Na medida em que a tensão entre agredidas e agressores se acentuam, vem à tona e se escancara a luz do dia o que há no âmago dessas já citadas criaturas ricas e filhos de ricos e a legião de amorfos políticos que os seguem, irritados pela perda de seus privilégios. E causa pavor perceber o quanto estão (SÃO!) infeccionadas, inflamadas, podres. Apelação a palavras e gestos obscenos, simulação de sexo com bonecas infláveis, cerveja atiradas contra manifestantes, zombaria expondo genitais, ameaças aos montes e quando a postura do opositor além de radical é genuína (e já que bem sabem aqueles que através da defesa com argumentos e ideias não conseguem nem se manter, nem se justificar de modo algum), apelou-se ao método clássico: perseguição com pedaços de pau. Incontestável prova de que a batalha por emancipação feminina é atual, é necessária, é incansável, e sim, incomoda. E não incomoda pouco.

Esse "senso de humor" direitista, que se põe como sendo acima de qualquer escrúpulo ou ética - capitaneado nessa onda recente pelo duvidoso Danilo Gentili, não é, nem de longe, o único levante das classes que agora têm seus privilégios arranhados. Curitiba, madrugada de 17 de março, o jovem, punk, 25 anos, identificado pelo apelido "Lagarto", foi morto a golpe de faca em seu pescoço por grupo de cerca de dez skinheads. Não são meras gangues incontroláveis em sua delinqüência. Defendem abertamente os "valores familiares" mais tradicionais, com o método mais tradicional com que valores familiares são "passados" e “mantidos”.

Tendo sido sistematicamente deseducado, programado - isso, nos melhores casos de havendo alguma educação - com uma educação bancária, o povo extenuado se identifica com o opressor, deseja se tornar ele por ver na posição em que ele se destaca algum mérito ou descanso. E ainda recorre ao próprio opressor para que ele, que tanto lhe parece forte, digno, bem-orientado, reinstaure uma suposta ordem de outrora. Foi eleito em 2012 na cidade de São Paulo a vereador com 89.053 votos, pelo PSDB, o evangélico e ex-comandante da rota, "Paulo Telhada". Telhada, que se diz um defensor da democracia e diz que se opõe ao regime militar ocorrido no Brasil (1964 - 1985), propôs uma homenagem - a Salva de Prata - à rota (aqui propositalmente desmerecida em letras minúsculas), o batalhão especial criado em 1970 para localizar e massacrar os opositores de então ao regime militar. A rota declara em março, em site oficial da polícia militar, guerra aos "remanescentes e seguidores de Lamarca e Marighella" referindo-se às facções criminosas atuais como se essas tivessem mesmo algum tipo de ligação com esses dois nomes.

Jamil Luminato foi destaque de notícia numa tragédia de um deslizamento em Petrópolis, em 1981, carregando o corpo de uma criança. Jamil volta a ser destaque de notícias 32 anos depois, ainda residindo em Petrópolis, ainda a respeito de enchentes. Dessa vez, depois do longo dessas mais de três décadas socorrendo a seus vizinhos durante a força das chuvas, foi sua filha e seus dois netos por quem não pôde fazer muito além de enterrá-los. A presidente Dilma Rousseff, estava então em Roma, numa visita ao papa... com uma comitiva de CINQUENTA E DUAS PESSOAS, hospedados num dos hotéis mais caros da Itália. A promessa de restituir um lar às vítimas da tragédia anterior da região serrana do Rio anda não foi cumprida.

Ainda no Rio de Janeiro, enfrentamentos fortes ocorrem entre a polícia e os ocupantes do Museu do Índio, concedido por Sérgio Cabral em profundo desprezo, para ser demolido e ali construído o "museu olímpico".
O edifício desde 2006 reunia importante valor cultural da tão diversas tribos brasileiras. Difícil dizer se o que impressiona mais é que 513 anos depois, elas ainda sejam tratadas “desse mesmo jeito” ou que tenham conseguido resistir até aqui, com esse tipo de tratamento sistemático...

São todos pontos abstratos e específicos de um momento tenebroso, do qual, certamente não emergiremos mais como antes éramos. Que assim seja.
"O sol há de brilhar mais uma vez
A luz há de chegar aos corações
(...)
Quero ter olhos pra ver
A maldade desaparecer

O amor será eterno novamente"
[Clara Nunes, "Juízo Final"]

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